O Pacto Pela Valorização do EJA e os desafios em Santa Catarina

Em junho de 2024, foi apresentado o Pacto Nacional pela Superação do Analfabetismo e Qualificação da Educação de Jovens e Adultos (1), iniciativa do Governo Federal que visa combater o analfabetismo e a baixa escolaridade, integrando a educação profissional, por meio da oferta de 3,3 milhões de novas matrículas na EJA e 900 mil vagas no Programa Brasil Alfabetizado, além de considerar, em seu escopo, a necessidade de enfrentar desigualdades regionais e raciais no acesso à educação.

Os dois grandes objetivos do Pacto são, primeiramente, fortalecer a estratégia de erradicação do analfabetismo, que ainda está longe de ser erradicado no Brasil, e, em segundo lugar, ampliar a taxa de escolarização no país, neste caso, a proporção de pessoas que concluiu a educação básica (ensino fundamental e médio).

Para viabilizar o programa, o governo federal anunciou um investimento total de 4 bilhões de reais (2), somatória que irá se distribuir nos 4 anos de previsão do pacto. Entre as diferentes iniciativas estão: a ampliação do repasse financeiro por matrícula EJA, a inclusão dos estudantes da EJA ensino médio no Programa Pé de Meia, o aumento do repasse no âmbito do Dinheiro Direto na Escola, entre outros programas.

O desafio é grande: no Brasil, ainda há 11,4 milhões de pessoas analfabetas, o que equivale a 7% da população com 15 anos ou mais, conforme dados do Censo Demográfico de 2022 (3). Em se tratando de pessoas que não puderam concluir a educação básica, há 68 milhões de pessoas (4), o equivalente a, aproximadamente, 44% da população com 18 anos ou mais.

O analfabetismo no país tem raízes históricas, mas seus impactos repercutem no presente. Além da dificuldade dessa parcela da população em acessar direitos e exercer a cidadania com autonomia, é quase impossível alcançar bons postos de trabalho sem estar alfabetizado.

Há, ainda, os impactos intrageracionais que são perpetuados à medida em que há dificuldade em proporcionar aos filhos e dependentes um conjunto de experiências comuns em arranjos familiares com maior nível de instrução, seja pela capacidade de melhor aproveitar campanhas públicas, como as de vacinação, acessar instruções de saúde básica como receita para o soro caseiro em caso de desidratação, e mesmo ajudar com a tarefa escolar ou transmitir aos dependentes a perspectiva de progressão social pela educação.

Sobre a segunda meta do Pacto, inferimos, de imediato, ao contrapô-la à primeira, que a não conclusão da educação básica é menos gravosa do que o analfabetismo na vida de um indivíduo. Porém, ao considerarmos a proporção da população que não concluiu o ensino médio, última etapa da educação básica, fica evidente a necessidade de abordar esse problema de forma mais aprofundada.

Antes de mais nada, é preciso destacar que reconhecer o analfabetismo como sendo mais gravoso não desabona a importância da conclusão do ciclo básico de estudos. A conclusão desse ciclo é meio para a ampliação das perspectivas individuais e para a correção de desigualdades históricas, visto que melhora a qualidade das interações destes cidadãos para com seus pares e, ainda mais destacado, a conclusão dos estudos é essencial para o acesso a melhores postos de trabalho e progressão profissional ao longo da vida econômica.

Para além do indivíduo, a importância dessa meta se torna latente ao analisarmos os dados da OCDE: conforme a entidade, a taxa média de conclusão do ensino básico nos países do bloco é de 79% (5), enquanto no Brasil é de 47%, considerando a população de 25 a 64 anos (6).

Em uma economia internacional cada vez mais integrada, a elevada taxa de adultos não concluintes do ciclo básico de estudos depõe contra a economia brasileira, ao passo que desincentiva o investimento estrangeiro e contribui para a diminuição relativa da produtividade nacional, flagrante contraste com o elevado grau de tecnificação exigido pelas tecnologias digitais, onipresentes e em expansão em todos os ramos econômicos.

Santa Catarina figura entre os estados com melhores indicadores sociais, resultado de seu processo de colonização onde não predominou o latifúndio e, em se tratando de analfabetismo, nosso estado tem um dos melhores resultados do país, com 2,7% da população analfabeta (3).

Mesmo sendo uma posição de referência no cenário nacional, para as mais de 167 mil pessoas não alfabetizadas em nosso estado (7), os dados estatísticos não são de grande valia. Se essa população estivesse em um único município, seria o 10º mais populoso do estado, à frente de Lages, que em 2022 possuía cerca de 165 mil habitantes (8).

Dado o enorme impacto do não letramento no roteiro de vida de cada pessoa, independente do momento em que se encontra na vida, o elevado nível de alfabetização em SC deve ser visto como oportunidade, motivando a busca pela erradicação do analfabetismo por meio da oferta de cursos adequados ao público, e principalmente, viáveis para a realidade dessa população.

Em se tratando da população não concluinte da educação básica, em 2020, 48,9% dos catarinenses com 25 anos ou mais possuíam 12 anos ou mais de estudos (9), dado que indica a conclusão do ensino médio. Esse resultado está próximo à média nacional e distante da realidade observada na OCDE.

Tais dados revelam que, se o passivo relativo à alfabetização em Santa Catarina não é um desafio social de impacto estatístico, a elevação da taxa de conclusão da educação básica ainda é um desafio relevante, com implicações sociais que incluem o impacto na produtividade econômica do estado e a capacidade de se integrar ou se manter integrado  de maneira competitiva às cadeias produtivas globais mais dinâmicas.

Considerando o que vimos, o Pacto lançado pelo Governo Federal é uma oportunidade para Santa Catarina, não somente para os mais de 167 mil cidadãos não alfabetizados, mas para a quase metade da nossa população que não concluiu a educação básica, bem como para a sustentabilidade do desenvolvimento econômico em nosso estado.

A adesão dos municípios não vincula a prestação de contrapartidas (10), assim, é essencial que os governos municipais se engajem nessa iniciativa, para tirar o melhor proveito das oportunidades relativas ao pacto. A adesão ao programa vai ocorrer até o dia 12 de agosto de 2024 e, até o dia 31 de julho, 70,2% dos municípios catarinenses haviam aderido ao programa (11).

Referências

1 – https://www.gov.br/mec/pt-br/assuntos/noticias/2024/junho/mec-lanca-pacto-nacional-para-valorizacao-da-eja

2 – https://agenciagov.ebc.com.br/noticias/202406/mec-lanca-pacto-nacional-para-valorizacao-da-eja

3 – https://agenciadenoticias.ibge.gov.br/agencia-noticias/2012-agencia-de-noticias/noticias/40098-censo-2022-taxa-de-analfabetismo-cai-de-9-6-para-7-0-em-12-anos-mas-desigualdades-persistem#:~:text=Dados%20do%20Censo%20Demogr%C3%A1fico%20de,foi%20de%207%2C0%25

4 – https://www.gov.br/mec/pt-br/centrais-de-conteudo/publicacoes/institucionais/cartilha-pacto-eja.pdf

5 – https://www.oecdbetterlifeindex.org/pt/quesitos/education-pt/

6- https://www.correiobraziliense.com.br/euestudante/educacao-basica/2021/07/4935598-47–da-populacao-adulta-nao-concluiu-o-ensino-medio-diz-pesquisa.html

7 – IBGE Cidades, com dados do Censo 2022 – https://cidades.ibge.gov.br/brasil/sc/panorama

8 – IBGE Cidades, com dados do Censo 2022 – https://cidades.ibge.gov.br/

9 – https://estado.sc.gov.br/noticias/taxa-de-analfabetismo-em-sc-cai-para-2-3-a-segunda-menor-do-pais-conforme-pnad-continua-educacao/

10 – https://lucianecarminatti.com.br/pacto-pela-superacao-do-analfabetismo-e-qualificacao-da-eja-e-debatido-pela-deputada-luciane-carminatti-com-participacao-do-mec-e-dirigentes-da-educacao%EF%BF%BC/

11 – https://www.tcesc.tc.br/prazo-para-adesao-ao-pacto-pela-superacao-do-analfabetismo-e-qualificacao-da-eja-e-prorrogado-ate#:~:text=Todos%20os%2026%20estados%20e,milh%C3%B5es%20em%20um%20per%C3%ADodo%20de

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